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Um almoço juizforano de Dia dos Pais

Dia dos pais é dia de almoço em família, e dia de almoço em família é de aparar as arestas do passado entre os irmãos que se sentiram menos atendidos pelo pai durante a infância. Família de verdade usa essas datas para rever a propriedade daquela boneca ou daquela roupa que uma pegava da outra sem pedir emprestado, e até mesmo para antecipar os direitos de herança sobre um relógio ou de tudo mesmo, com a vantagem de ter o futuro “de cujos” presente. Às vezes ele até pode ajudar. Enfim, dia dos pais é dia de ajuste de contas.

Um presente que se dá, é camisa. E numa prole numerosa os filhos percebem o quanto são mais, ou menos “queridinhos do papaizinho” de acordo com a regularidade que os pais usam os presentes dados pelos filhos. Os pais não percebem, mas os filhos notam se estão usando ou não os presentes que deram ao pai nos anos passados. Seja um par de meias, um perfume ou uma camisa, o termômetro da preferência é o uso do presente. Numa concorrência de presentes iguais, o placar é definido pela frequência de uso do item de um, ou de outro.

Ao contrário do dia das mães que, em Juiz de Fora é um calvário de restaurantes que sempre estarão cheios, e você vai ficar tentando outro de menor espera até, finalmente, achar algum para ser mal atendido, o Dia dos Pais é melhor, é em casa mesmo, vai ser macarrão ou churrasco, e o nível de álcool sempre é mais abundante. Diferente das mães, pais não gostam de sair de casa num final de semana. Entendam isso. Dia das mães é no Berttu’s, com aquele arroz empapado numa telha de barro que mamãe adora; Dia dos Pais é no quintal.

Se for sair de casa o pai juizforano quer churrascaria. Pai é animal carnívoro, e se os níveis do saldo bancário e do ácido úrico permitissem, abraçaria sem culpa a campanha publicitária de rádio narrada pelo meu amigo Samir Hauaji há alguns anos atrás, que dava uma boa desculpa para ir à Chimarron de segunda a segunda.

Só para deixar bem claro como funcionam as coisas por aqui, mulheres quando se casam esperam mudar aquelas coisinhas que não agradam no namorado, mas ele não muda. Os homens por sua vez, esperam que a namorada não mude em nada, mas ela muda em tudo. E é nesse casamento de esperanças trocadas que nascem os filhos que vão te chamar de pai, mesmo que aquela pestezinha que mudou completamente o rumo de sua vida não seja seu, e você passe mais de vinte anos sem saber... Acredite, não foi só no Ratinho que vimos isso acontecer. Entretanto, DNA não muda os almoços de dia dos pais e mais importante é a tradição sagrada manda que os filhos tenham nomes que comecem com a mesma letra.

Família juizforana tem barulho de família italiana, com o calor de família libanesa, com tempero de família portuguesa, e que pensa que tem um jeito alemão, mas todo mundo tem uma trisavó índia. Eu mesmo tenho uma bisavó de sobrenome Alfeld, sem “h”, e uma tia avó que se casou com um “turco” que aprendeu a cozinhar quitutes de origem árabe, o que justifica meu apreço por cerveja e quibe frito.

E foi num domingo ensolarado de agosto que uma certa família, reunida em torno do bebezinho que chegara há pouco menos de um ano, começou a discutir com quem aquele menininho mais se parecia. Cada tio e tia mostrava um traço do menino que aproximava de sua aparência.

- Olha esse branco do olho como é igual ao meu! – disse um tio;

- Olha essa sola do pé como é exatamente a minha! – disse uma tia.

Até a pediatra que estava presente decretou que aqueles ombros eram a assinatura genética da família. E assim foram loteando as partes do menino, até se convencerem que ele era um lindo Frankenstein de partes pouco reveladas dos tios. No fim todos sabiam que era a cara do avô, careca e desdentado...

Era uma tarde perfeita até que o netinho alegre, no colo do vovô, urinou em sua camisa que ganhara da Catarina no último Dia dos Pais. A fralda mal instalada não foi capaz de proteger a linda camisa de linho. Preocupado, o vovô entregou o netinho às pressas a qualquer colo e perguntou tentando, em vão, se mostrar despreocupado:

- Urina de bebê mancha camisa de linho? - Imediatamente o vovô foi trocar a camisa e deixá-la de molho na esperança que não manchasse. Mancha.

A dúvida que pairou naquele momento era se vovô teria a mesma reação se a urina do futuro herdeiro atingisse a calça que fora presente de Carlos, o filho do meio, ou os sapatos de Cássio, o caçula problemático. Naquele mesmo dia, o que eles tinham para julgar era somente o molho bolonhesa do espaguete que caiu na calça, e o cachorro que destruiu o bico do sapato sem que vovô se manifestasse com a mesma preocupação. Mas como não voltou a falar sobre a camisa durante anos, qualquer julgamento parecia ser precipitado.

Vinte anos mais tarde, o bebê crescido estava sentado à mesa ao lado do vovô quando, acidentalmente, derrubou um copo de cerveja, atingindo aquela mesma camisa de linho usada todos os anos desde então, apesar da amaldiçoada mancha. Exaltado, vovô não conteve o rancor guardado por duas décadas:

- Mijão! Mijão!

Assim, todos concordaram que a filha favorita era mesmo a Catarina.

Foto do Restaurante Berttu's da Rua Santo Antônio. Tudo bem me levar para almoçar lá, vai...

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