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Futrica mais que eu gosto


Relembrar memórias com a pessoa amada e descobrir que não era ela que estava lá, provoca um tipo de silêncio que costuma demorar uma semana, por aí...  Existem certas memórias que ficam na emoção. É um cheiro, um clima, um ambiente, um sabor... aquela coisa que fica guardada no afeto, e que volta como se fosse hoje ou semana passada, e quase sempre é relembrada com a pessoa errada. E Juiz de Fora é o lugar ideal para tragédias assim. Uma das riquezas culturais de Juiz de Fora são seus botecos. Poderia enumerar vários, mas o Futrica tem glamour e sua singularidade, e é o verdadeiro endereço de onde o diálogo inusitado, linhas abaixo, aconteceu.

Acervo do Bar do Futrica

Aqui na terra do torresmo, seria pouco provável que prosperasse, há décadas, um boteco que serve a pizza mais exclusiva do planeta. O Futrica é da época da culinária, não da gastronomia; da cozinheira, não do cheff; da boa comida, não do gourmet. O centro de Juiz de Fora até os anos de 1970 e 1980 ainda se dividia em territórios, segundo o poder aquisitivo. As boas lojas de fazendas para as senhoras coserem as roupas da família, os bons cafés e restaurantes, bem como as lojas de calçados e as boutiques de roupas de grife ficavam na parte alta das ruas centrais, mais próximas à Avenida Rio Branco.

Conforme se descia, tanto a Halfeld como a Marechal em direção à Batista de Oliveira, mais próximo ficava do comércio popular. Abaixo da Avenida Getúlio Vargas e nos limites da Avenida Francisco Bernardino com a linha de trem, ficava a antiga e decadente área industrial com depósitos e oficinas. Naquele tempo, a esquina da Halfeld com a Batista era a esquina dos aflitos com pessoas oferecendo seus pertences, eencontrando agiotas. A galeria Hallack é a última da Marechal antes da Batista, com saída na Mister Moore. Mais abaixo que a Galeria Ítala. Ou seja, a galeria dos pobres. E é nessa gloriosa galeria que está a mais fascinante pizza do país, senhoras e senhores, que alimenta pelo menos quatro gerações de juizforanos.

O pai providente daquela época saía aos sábados com os meninos na rua, para comprar as coisas necessárias a fim de se ocupar no fim de semana, seja arrumando o carro, um conserto do encanamento, ou um aparelho eletrônico. Se tinha uma coisa que queimava era válvula de TV. Válvula? Sim, e até tinha loja disso. O almoço da família é no domingo, não no sábado, então no sábado você podia comer em algum restaurante do centro, como no Palácio ou Belas Artes, ou melhor, um Arroz à Valenciana no Restaurante Primavera que eu adorava, ou então a boa feijoada do Futrica.

Se tem uma coisa que pai dos anos 1970 gostava de fazer, além de usar cuecas de pano, era andar com o filho no calçadão, descer, subir, subir, descer e tomar três ou quatro cafezinhos conforme trocava de amigo para conversar nesse caminho de ida e volta. Andar com filho na rua tinha duas funções. A primeira é orgulho mesmo, exibir seus meninos, pentear o cabelo com o pente de osso que andava na carteira, e graças a Deus o meu pai não cuspia no chão. A outra era fazer hora até o almoço. Até lá, tinha que apaziguar a fome não exatamente com algo, mas com algo de onde.

Não importa se você é engenheiro, pedreiro ou aviador, mas se você é homem, seu filho tem que entrar no boteco com você. É um território de predadores, de machos que falam e riem alto, e que as crianças têm que se acostumar aos poucos, porque essa é a fauna que os meninos terão que conviver quando crescer. Isso é educação de verdade! E nenhum lugar melhor para dessensibilizar as crianças do que o Futrica. Foi assim que eu e muitos dos amigos meus começaram a frequentar o Futrica. Por mais que fosse um “boteco”, o Futrica sempre foi um charme! Por trás daquele balcão tem o carinho que todo dono de ninho conhece. E nada mais acolhedor que comida gostosa! Acho que ninguém mais deve se lembrar que o meu “Tio” Ricardo pedia um “fora”, que nada mais era que um espetinho na chapa, fora do espetinho.

Mas, a rainha ainda é a Pizza do Futrica. É uma receita que já existia antes do bar. Quem senta ao balcão vai ouvir a mesma história. Era um grego que existia ali que servia essa pizza de mistura de queijos, se não me falha a memória com ovos... e a fina massa por cima! O tempo passou e virou modinha universitária frequentar o futrica, coisa de intelectual, até coisa de mulher... mas ainda nada é mais masculino que levar a mulher para comer uma pizza no Futrica.

E foi num ato juizforano de romantismo desses, que um grande amigo levou sua nova namorada para comer a pizza do Futrica num meio da tarde de quarta-feira, um pouco antes da hapy-hour para exibir a moça para os conhecidos. E ela adorou!

(Ela) – Ai! Como eu gostei que você me trouxe aqui, querido!

(Ele) – Claro... veja se eu não traria você para conhecer minhas origens, minha história... Douglas! Mais duas pizzas e outra cerveja!

(Ela) – Pois é... adorei ouvir você contar a história que os donos aqui trocaram as mesas pouco a pouco para os clientes não notarem...

(Ele) – Eu contei isso? Quando?

(Ela) – Simmmmm! E ainda disse que esses nomes aqui são dos netos do Futrica...

(Ele) – Eu nunca contei isso.

(Ela) – Você não lembra? Foi super romântico, tava chovendo... aí a gente saiu daqui e foi no motel...

(Ele) – Berenice, para! Nós nunca viemos juntos aqui antes... é sério!

(Ela) – [silêncio]

(Ele) – [silêncio]

O O O




 

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