Apenas quem já morou em São Paulo sabe o que é ter vontade de bater em uma pessoa por causa de um pastel de queijo. Na terra dos bandeirantes, eles têm a indecência de vender pastéis com tamanho sedutor, mas com uma única fatia de queijo muçarela dentro. Sério! Dá ou não dá vontade de pegar o cara de turminha!
Ainda me lembro da minha primeira tentativa de comer sozinho um pastel “normal” de queijo e carne. O fracasso era óbvio, mas meu pai, adepto do empirismo como prática pedagógica, se divertiu em ver minha determinação até os dez porcento da tarefa se transformar em desânimo aos vinte, cansaço aos trinta, desespero aos quarenta porcento, e assumir a derrota ao pastel antes mesmo de chegar na metade. Aprendi a lição. Eu soube que precisava me preparar para realizar meu sonho de concluir um Sputinyk.
Dinheiro nunca frequentava bolso de criança naquela época, por isso a dificuldade de treinar adequadamente. As oportunidades eram escassas e deveriam ser bem aproveitadas. Dividir o pastel com a irmã sempre era uma boa chance. Entretanto, o difícil nessas situações é a eleição do recheio. E faço aqui uma denúncia: irmã mais velha sempre decide o recheio! A mãe dá o dinheiro é pra ela! Droga!
Bom, depois de muito perseverar e finalmente concluir o primeiro pastel sozinho, que foi de queijo com banana, meu abdômen já estava num caminho sem volta. - Veias e artérias que se preparem, agora isso é pela honra! Todo homem juizforano precisa vencer um Sputinyk com toda sua envergadura, ou ser abandonado no vale da vergonha da coxinha da Pepita, ou na desonra da “Fatia Rosa” da Fábrica de Doces Brasil depois de salgadinhos mínimos. A coisa aqui é séria! Não aceitamos os fracos!
Mas, acasos do destino me fizeram adiar os planos. Uma temporada de quase vinte anos fora de Juiz de Fora me fez procurar em outras pastelarias do país o sabor do amor verdadeiro. Fui enganado, decepcionado e traído... aquilo nem era queijo. Aprendi que fora de Juiz de Fora não há nem cigarrete, nem pastel de queijo.
Na volta às margens do Paraibuna, cheguei humilde aos pés do balcão de vidro, e não estavam mais lá os refrigerantes com casco de vidro, mas resistiram alguns rostos conhecidos. No letreiro, ainda quase como há 40 anos, o Sputinyk se oferecendo aos desafiantes como estrela do cardápio. O troco sempre na casa dos milhões, uniformes rosas, e a magia que só quem viu o caminhão estacionar ali no seu primeiro dia, sente. Isso dá uma emoção que nem te conto! Retornei ao pastel de Queijo com Carne, voltei outro dia para me dedicar à Galinha com Catupiry até estabelecer certa relação duradoura com o pastel de Pernil, que ainda é meu preferido.
Triglicérides acima de mil e circunferência abdominal em níveis críticos ajudam qualquer pessoa a amadurecer e definir prioridades. Foi então que minha meta pessoal começou a ser adiada novamente até que essa tal de pandemia atingiu em cheio esse símbolo juizforano e o estacionou na garagem por tempo indeterminado, por tempo demais e por perda de tempo.
Meu olhar, que procura a vida normal pela janela, vê a tristeza daquela vaga ociosa no cruzamento das principais avenidas de Juiz de Fora, toda pintada de branco, esperando as cores do caminhão voltar para encher a barriga da nossa gente de pastel. Igual tem promessa de ano novo, agora tem promessa de final de pandemia. A minha é comer o tal do Sputinyk antes que alguma coisa o faça ir para o espaço de novo.
Magnífica descrição da Pastelaria Rolante Mexicana. Parabéns, Nilton!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário!
ExcluirAbsurdamente lindo este texto, retratando fielmente esse ícone da vida cotidiana de Juiz de Fora, que é a "pastelaria rolante mexicana"! Que fantástico ter participado desta história desde os primeiros momentos. Ah, e a propósito, o de pernil sempre foi meu favorito.!!!!
ResponderExcluirObrigado! Estou lisonjeado!
ExcluirQue texto lindo! Senti orgulho de ser juizforana ao ler
ResponderExcluir